terça-feira, 27 de setembro de 2011

O Estranho Cardápio de Wanfujing

A alguns quarteirões da Praça da Paz Celestial e da Cidade Proibida está a rua Wanfujing. Especializada no comércio de todo tipo de artigo – de eletrônicos a vestuário - a rua é conhecida também por abrigar uma estranha feira onde são vendidas, entre outras coisas, refeições no mínimo exóticas para o paladar ocidental.

Depois de mais uma intensa jornada de turismo em Pequim, eu e Michele resolvemos terminar o dia em Wanfujing para conhecer a famosa feira onde, segundo dizia a lenda, eram vendidas “guloseimas” pra lá de estranhas. Chegamos ao lugar no fim de tarde, quando já começava a escurecer.


Logo no início da rua, avistamos as luzes de um beco ao qual se tinha acesso por um colorido portal chinês. Enfeitado por lanternas típicas que banhavam o ambiente com uma fraca luz amarela, o local era cheio de vendas e barraquinhas onde se podiam encontrar souvenirs e artigos tradicionais. Animadas, as pessoas movimentavam-se nos dois sentidos do beco, conversando e rindo descontraidamente. Uma energia boa fluía por todo o espaço.
scaras à venda em Wanfujing imitam as pinturas faciais da tradional ópera de Pequim
Era um bequinho realmente chinês, como aqueles que se veem nos filmes. Tinha-se a impressão de que, em algum canto em meio a toda aquela gente, deveria haver uma barraquinha escondida e mal iluminada onde uma velhinha chinesa guardava um antigo segredo, um livro de encantamentos ou um amuleto sagrado há muito perdido.
Mas a principal atração de Wanfujing não são os souvenirs ou a decoração típica. A maior parte das pessoas que vai à rua quer ver ou experimentar as estranhas iguarias encontradas ali. Entre os itens do cardápio, bichos pra lá de exóticos, como escorpião, cavalo marinho, cigarra e estrela do mar, geralmente vendidos fritos no espetinho.

Ao contrário do que se imagina, no entanto, esses petiscos não são comidos pela maioria dos chineses. Os habitantes da cidade contam que, inicialmente, podiam ser encontrados ali pratos típicos da culinária nacional, inclusive esses pequenos aperitivos, comuns apenas em uma ou outra parte da China, mas não em Pequim ou na maioria das grandes cidades. Os estrangeiros, no entanto, impressionados ao ver bichos tão estranhos vendidos ao ar livre, começaram a freqüentar a feira, que acabou por se especializar nessa categoria gastronômica com o único objetivo de atrair cada vez mais turistas ansiosos por ver ou saborear um delicioso espetinho de lacraia ou escorpião.

Ainda assim, o lugar é bem legal, um dos que mais gostei em Pequim até o momento. Vale a pena conhecer. E, caso você não tenha levado o próprio lanche, não se preocupe, tem uma McDonalds ali do lado!

Mais fotos de Wanfujing:
Um minuto de descanso para o jovem vendedor de guloseimas exóticas
Uma vendedora faz o balanço do dia na feira de Wanfujing





sábado, 24 de setembro de 2011

Manual de Sobrevivência para Ocidentais em Pequim

Viver em Pequim não é uma tarefa fácil para as pessoas vindas do Ocidente. A gigantesca diferença de hábitos alimentares, costumes, idioma, entre outras coisas, tornam a vida na capital chinesa um exercício diário de adaptação.




Acostumar-se à vida em Pequim exige um pouco de paciência, é verdade. Mas há algumas medidas que podem facilitar bastante essa transição. Abaixo, faço um pequeno resumo do que pode vir a ser um problema para os ocidentais e de como, resolver, ao menos provisoriamente, os desafios mais difíceis. Entre esses, escolhi três que considero os mais presentes no cotidiano: a alimentação, a comunicação e a locomoção.

A alimentação:

O primeiro deles parece ser aquele que mais amedronta os forasteiros por aqui. A comida chinesa da China, bem diferente da versão ocidentalizada que se encontra do lado de fora das fronteiras, nem sempre agrada ao paladar dos ocidentais. O cardápio às vezes assusta pelos ingredientes, às vezes pelo tempero, e por aí vai. Não se surpreenda se encontrar feijão ou carne suína em um doce. Como diz o ditado, gosto não se discute.

A boa notícia é que Pequim é uma cidade bastante cosmopolita e oferece muitas opções gastronômicas para quem vem de fora. O que não faltam são restaurantes italianos, mexicanos, americanos e até mesmo brasileiros. É possível passar uma vida inteira aqui sem nunca precisar comer a comida local.

Outra mão na roda é o Jenny Lou’s – supermercado favorito dos ocidentais - onde se pode encontrar produtos de todas as categorias, assim como as marcas mais conhecidas no lado Oeste do globo.

A comunicação:

Este é, sem dúvida alguma, o maior desafio para qualquer estrangeiro na China. Embora seja possível estudar e aprender a se comunicar em mandarim, pode-se dizer que esse é um projeto de longo prazo. Pessoas que vivem aqui há mais de uma década e dominam o linguajar coloquial sem dificuldades ainda passam por um aperto quando a discussão atinge um nível maior de complexidade.

É possível, no entanto, aprender uma ou outra expressão que podem tornar a vida bem mais fácil. Um bom exemplo é saber pedir a conta em restaurantes ou saber dizer “quero isto”, “não quero isto”, “obrigado” etc. São palavras e expressões básicas que ajudam bastante

Outra dica: quando o chinês com quem você estiver conversando falar um mínimo de inglês, não complique a vida dele. Fique contente quando o garçom  te trouxer uma Coca Light, em vez da Coca Zero que você pediu. Já está bom demais ele ter trazido um refrigerante com menos calorias. Frases diretas, sem orações adjetivas intercaladas, são as mais eficazes. Se quiser água, diga, em inglês, “quero água”. Simples assim. Nada de “Você poderia me trazer uma garrafa d’água, por favor?”. Quanto mais elaborado for o seu pedido, maiores são as chances de que haja algum ruído na comunicação. Nesse ponto, brasileiros, em especial, são mestres em complicar. Entre outras coisas, adoram pedir alterações no prato como “você pode trazer batatas fritas, em vez de assadas”. Ir por esse caminho, na China, é pedir para que algo coisa saia errado.

A locomoção

O problema da locomoção, em Pequim, também passa, em algum momento, pela comunicação. Embora a cidade conte com muitas linhas de metrô, com o nome das estações em mandarim e em inglês, nem sempre elas te levarão aonde você quer chegar. Muitas vezes, será necessário pegar um taxi. Nesse momento, o idioma surge mais uma vez como uma barreira. Os taxistas chineses, como os brasileiros, não falam inglês. Pra piorar a situação, os nomes dos lugares onde se deseja ir nada têm a ver, em mandarim, com sua pronúncia em qualquer língua ocidental.

Felizmente, desenvolveu-se, em Pequim, um esquema que parece funcionar bem. Ocidental que se preze, não deixa de pegar o cartão de todos lugares de que gosta: restaurantes, lojas, museus, shopping centers. Ali vem escrito o endereço do lugar em mandarim e em inglês. Quando, em outra ocasião, se desejar voltar ao lugar, basta mostrar o cartão ao motorista do taxi, que ele saberá para onde ir.

O livrinho mágico
ma medida importantíssima é ter em mãos um guia com endereços para taxistas. Facilmente encontrados em livrarias e lojas, esses pequenos livros trazem, em inglês e mandarim, endereços dos principais estabelecimentos de compras, lazer, turismo, cultura etc. Com um desses no bolso, é possível se chegar a quase qualquer lugar em Pequim.

Outra atitude que ajuda muito é saber dizer, na língua local, palavrinhas como “vire à direita”, “vire à esquerda” e “chegamos”. Isso pode te ajudar a orientar o taxista, quando este não estiver encontrando o endereço.

Ganhando independência
No que diz respeito à locomoção, o que realmente fez a diferença pra mim foi comprar uma bicicleta. Designado para trabalhar em Pequim por três meses, já na segunda semana estava cansado de depender de taxistas que nem sempre me entendiam e que, quando chovia, desapareciam das ruas como que num passe de mágica. Orientado por Carlos, um amigo que há dois anos vive em Pequim, comprei uma bicicleta e, desde então, tenho conhecido os principais pontos da cidade, que tem ciclovias em, praticamente, todas as ruas.



segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Entre os Muros da Cidade Proibida

Após uma semana de trabalho em Pequim, o fim de semana finalmente havia chegado. Era hora de por em prática o pequeno roteiro turístico que havia traçado antes de mesmo de deixar o Brasil. Dentre os muitos tesouros chineses a serem explorados, o primeiro deles deveria ser a Cidade Proibida.


Mesmo antes de conhecer a China, a Cidade Proibida já despertava o meu interesse. A idéia de uma pequena cidade dentro da cidade sempre me levou a romantizar como seria a vida de um imperador chinês em meio a ambientes tão suntuosos, completamente protegido de qualquer ameaça externa. Cercado por muralhas de 10 metros de altura, esse conjunto de palácios, praças e jardins ocupa 720 mil metros quadrados no centro de Pequim e é uma das mais importantes obras arquitetônicas remanescentes da China imperial. Ao longo de 500 anos, até a década de 1920, muitos imperadores viveram entre seus muros e de lá governaram todo o país. Durante esse período, apenas a realeza, autoridades, militares e serviçais da corte tinham acesso ao lugar. Daí o nome pelo qual ficou conhecido.
Porta da Suprema Harmonia
Na semana que antecedeu esse passeio, encontrei Michele, uma amiga que,  assim como eu, estava de passagem por Pequim e tinha a mesma disposição de explorar tudo o que a capital chinesa tinha a oferecer. Conhecer a Cidade Proibida foi, no entanto, uma experiência completamente diferente do que havíamos imaginado.

Cores e formas da Cidade Proibida

A arquitetura do lugar é de fato linda! Construída em pedra e madeira, a estrutura dos palácios é revestida por uma pintura em cores vivas, rica em ilustrações e símbolos da cultura chinesa. Os telhados dourados, também muito bonitos, são um show à parte.


Esse primeiro passeio, no entanto, deixou claro para mim e Michele algo que nos havia sido ensinado desde a época de escola: a China é o país mais populoso do mundo! Pudemos constatar isso na prática, pois nunca antes havíamos estado num lugar com tanta gente.

Bem que haviam nos advertido que o fim de semana não era o melhor momento para nos arriscarmos por aqueles lados. Mas que opção tínhamos nós? Estávamos trabalhando nos dias úteis. Só nos restava o fim de semana.

Para piorar nossa situação, o sol ainda estava forte naqueles dias de agosto e, durante boa parte da caminhada que fizemos, não havia uma sombra sequer onde pudéssemos nos refugiar.

Por mais belas que fossem todas aquelas construções, a partir de determinado momento, só pensávamos em sair. Nosso trajeto, no entanto, acabou sendo mais longo do que havíamos antecipado. Entramos na cidade por volta de 11h30 e só conseguimos sair depois das 16h. Levamos, pelo menos, cinco horas entre o início e o fim do passeio.

Difícil não se sentir incomodado num lugar assim. Até mesmo fotografar era uma tarefa difícil! Eram raros os momentos em que não havia nenhuma cabeça no meio do caminho. As poucas fotos em que não se vê gente passando foram momentos de pura sorte. Outras foram tiradas de ângulos que não mostravam as centenas de turistas.


Na mira das lentes chinesas

Um traço bastante típico do chinês acabou-se tornando um outro incômodo para Michele. Embora os habitantes de Pequim já estejam acostumados com a presença de estrangeiros, muitos dos que visitam lugares turísticos como a Cidade Proibida são pessoas vindas do interior da China, gente que nunca viu um ocidental em toda a vida. Para esses chineses, eu e Michele éramos tão ou mais interessantes do que o lugar que estavam visitando. Quando dei por mim, havíamos passado de turistas a atração turística. Alguns desses chineses nos fotografavam de longe, para que não percebêssemos, ao passo que os menos desinibidos vinham até nós e pediam para que tirássemos uma foto com eles. Depois de algum tempo, Michele, que era de longe a preferida para as fotos, começou a se cansar de tanto assédio.
 
Michele, ainda com paciência, cede 30 segundos do seu tempo para uma foto com duas chinesas
No final, deu tudo certo. Depois de cruzarmos um número sem fim de ambientes, finalmente chegamos à saída. Terminamos o dia em Houhai (ver post anterior), comendo em um restaurante à beira da lagoa.

Hoje, passado o momento, acho que a aventura valeu a pena. Como diz um amigo, tudo é estória pra contar. O lugar é realmente bonito, ainda que a multidão prejudique bastante a experiência de explorá-lo e conhecê-lo a fundo.


Mais fotos da Cidade Proibida:

Desinibida, uma chinesinha faz pose para a minha foto
Um raro momento de tranquilidade na Cidade Proibida

Uma faxineira faz uma pausa para o descanso


Leões guardam as entradas de lugares importantes. O macho traz uma esfera sob a pata, ao
passo que a fêmea (foto de entrada), um filhote.  


sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Diário de um Brasileiro em Pequim – Primeira Semana

Este é o primeiro de uma série de posts que escreverei sobre a experiência de viver na China, onde estarei, a trabalho, pelos próximos três meses. A idéia é relatar aqui todas as novidades, estranhezas e peculiaridades deste país de cultura tão diversa da nossa.

Um tesouro no fundo do mar brilha no gigantesco painel luminoso do The Place
Quando desembarquei em Pequim, em 13 de agosto de 2011, após quase 30 horas de viagem, minha primeira reação foi de surpresa. Ainda que o progresso econômico da China esteja estampado, diariamente, em todos os principais jornais e revistas do mundo, esperava encontrar ainda um país de desenvolvimento intermediário, como o Brasil, a Argentina, a Índia, entre outros. Não foi necessário muito tempo para perceber que essa idéia correspondia, cada vez menos, à realidade. Moderno e imponente, o Aeroporto Internacional de Pequim já é uma indicação de que os chineses se preparam para alcançar uma outra categoria de nações. Com linhas curvas e arrojadas, o edifício apresenta design futurista ao mesmo tempo em que remete à estética dos antigos palácios chineses. Uma reunião perfeita entre as idéias de passado e futuro. Fiquei impressionado! Era como se tivesse viajado para a China e chegado ao Japão.

A segunda impressão que tive de Pequim não foi tão boa. Já ao sair do aeroporto, em direção ao hotel, percebi o céu acinzentado da cidade, resultado da poluição decorrente do acelerado crescimento industrial chinês das últimas duas décadas. Fiquei um pouco decepcionado, pois esperava poder tirar belas fotos da cidade, que acaba perdendo muito de sua beleza em dias com esse.

Minha primeira semana na China foi assim: cheia de surpresas e novidades, algumas boas, outras nem tanto. De certa forma, já esperava por isso. Afinal, nunca havia estado num país de cultura tão distante da minha. No início, todo cuidado era pouco. Durante algum tempo, andei em ovos para não cometer nenhuma gafe ou desrespeito aos costumes locais.

A comunicação é outro problema sério, até agora sem solução satisfatória. Mesmo o inglês, que imaginava ser uma língua universal, não é de muito uso aqui. Embora muitos chineses tenham alguma noção do idioma, é raro encontrar alguém que consiga desenvolver um diálogo além das frases mais básicas.

Mesmo no hotel, onde esperava encontrar funcionários treinados para conversar com estrangeiros, a comunicação é difícil. Muitas vezes, simplesmente desisti de pedir alguma coisa. Em certa ocasião, tive de fazer um desenho para explicar que o ralo do meu banheiro estava transbordando sempre que eu tomava banho. Foi uma luta, mas, com muito esforço, consegui comunicar o problema, que foi resolvido posteriormente.

Uma boa surpresa foi descobrir que, após os dias de chuva, o céu amanhece azul. A cidade parece outra! Os prédios altos, as ruas bem arborizadas, os canteiros floridos, tudo isso antes meio apagado pelo cinza surge aos olhos com cores e formas que pareciam não existir. A cidade, que era feia, torna-se bonita.

Ainda durante a primeira semana, conheci alguns shopping centers da cidade, coisa de primeiro mundo! É difícil reconhecer, mas nem em São Paulo temos algo assim no Brasil. O The Place e o Sanlitun Village são cenários de uma nova China, onde chineses endinheirados e bem vestidos (nada comunistas) consomem como americanos ou europeus.

O primeiro choque cultural

Outro lugar interessante da cidade é Houhai, um conjunto novo de lojas e restaurantes que circundam uma lagoa. Um lugar bem legal, onde se pode almoçar ou mesmo sentar à mesa e beber alguma coisa, de dia ou de noite, em um cenário bastante contemporâneo, ainda que com motivos claramente chineses.

Lá, no entanto, passei por uma das situações mais inusitadas até agora. Já havia lido sobre isso, mas confesso que fiquei completamente desconcertado quando entrei num banheiro público e deparei com um homem com as calças baixas e de cócoras sobre um buraco no chão. As estórias eram verdadeiras: na China, o vaso sanitário é uma novidade do Ocidente, o que não tem a ver com o nível de desenvolvimento do país e sim com os costumes locais. O lugar utilizado para se livrar do “número 2” é um buraco no chão, com acabamento metálico ou de louça, onde é preciso agachar e, ao menos por alguns segundos, “levitar” sobre o fosso. Em alguns banheiros, já há divisórias entre os “buracos”. Em outros, eles ficam lado a lado, sem nada que separe uma pessoa da outra. Para o chinês, no entanto, isso é comum e até corriqueiro. Foi o que percebi quando o vi o tal homem de cócoras. Minha primeira reação foi sair do lugar imediatamente. Só depois percebi que o senhor não havia, nem por um instante, demonstrado algum constrangimento com a minha presença. O mal-estar com a situação estava só na minha cabeça. É como já havia lido: o chinês tem uma noção de privacidade diferente da que temos no Ocidente. Na China, muitas pessoas crescem nos hutongs, bairros onde boa parte da vida doméstica acaba se misturando com a vida comunitária. Os banheiros, nesses lugares, ficam do lado de fora das casas e são divididos pelos moradores da rua.

Essas foram algumas das novidades que precisei assimilar logo na primeira semana. Eu sabia, no entanto, que muito mais estava por vir. As diferenças culturais não se restringiam ao que tinha observado até então, e as construções modernas de Pequim retratam apenas as últimas décadas de um país com uma história milenar.  Descobrir a China ancestral era o meu próximo passo.