sábado, 7 de maio de 2011

O Caminho das Pedras Quadradas


Em junho de 2009, conheci o arquipélago brasileiro de Fernando de Noronha, uma das melhores viagens que fiz até hoje. Fiquei encantado com a beleza natural do lugar e com a diversidade da fauna aquática, que parecia não se importar em dividir seu habitat com os inquietos humanos, sempre em busca de novos paraísos. Ali era possível mergulhar entre peixes exóticos, tartarugas marinhas e, até mesmo, tubarões, que - muito bem servidos com o fartura daquelas águas - eram indiferentes à presença dos turistas.

Além da atmosfera de completa harmonia com a natureza, pude sentir ali uma imensa tranquilidade. Havia tão pouca gente... Era um lugar perfeito para dar uma pausa do mundo e refletir sobre a vida. À exceção dos passeios guiados, dos quais sempre participava um grupo de turistas, quase não havia pessoas nas praias ou nos lugares próximos à minha pousada.

Uma vez terminado o circuito de passeios recomendados aos visitantes, resolvi explorar Noronha por conta própria. Descobri que a exuberante fauna marinha não estava apenas nas piscinas naturais às quais éramos levados por guias turísticos, estava em todo lugar. Além disso, a ilha era repleta de paisagens fantásticas! Chegar até esses lugares, no entanto, nem sempre era fácil. Como todo paraíso, requeriam algum sacrifício para serem atingidos. Eram como um prêmio, reservado a quem estivesse disposto a atravessar trilhas e outros desafios naturais.

Certa vez, para passar de uma praia a outra, mais isolada, tive de cruzar um caminho repleto de pedras pontiagudas. Ao mesmo tempo em que machucavam os pés, as pedras, por causa de seu formato, tornavam impossível a travessia com sandálias. Tênis, então, nem pensar, pois a água do mar arrebentava ali a cada vinte segundos. O desconforto era o preço a se pagar para chegar do outro lado, não havia outro jeito.

No final, valeu a pena! Naquele dia, mergulhando nas águas tranqüilas do outro lado, tive a mais fantástica experiência de contato com a natureza de toda a minha vida. Enquanto mergulhava com meu snorkell, avistei uma gigantesca raia que deslizava sobre a areia apenas dois metros abaixo de mim. Era uma criatura incrível, imponente! Sua largura excedia à dos meus braços abertos, e seu cumprimento - da cabeça ao fim da longa cauda - chegava a quase três metros. Aquele momento, que prolonguei por alguns minutos enquanto acompanhava o imenso peixe em seu trajeto, é uma memória que guardarei para sempre.

Mais tarde naquele dia, contando a um nativo de minha experiência e da dificuldade para se cruzar o pedregoso caminho até o lugar, ouvi dele o seguinte comentário:

– Eu nunca machuco os pés para chegar ali. Conheço o caminho das pedras quadradas.

Achei ótima a expressão! E fácil de entender. Era comum, ao longo daquele trajeto, avistar aqui e ali rochas com uma superfície plana, em vez de formas pontiagudas. A cada passo que se dava, era quase instintivo olhar ao redor em busca de uma pedra “fácil”, uma “pedra quadrada”, que aliviasse a difícil travessia. Às vezes, até se dava a sorte de encontrar duas ou três pedras assim, próximas umas das outras de forma que, ao menos por uma curta distância, se podia seguir adiante sem machucar os pés. O que o nativo me dizia era que, por morar lá desde que nasceu, aprendera um jeito fácil e sem dor para chegar àquele lugar - uma trilha de pedras planas que possibilitava ir de uma praia à outra sem maiores dificuldades: o caminho das pedras quadradas.

Recentemente, em meio a adversidades que me estavam testando ao extremo, perguntei-me se haveria também na vida um caminho assim, que tornasse possível chegar ao ponto desejado com um mínimo de sacrifício e, mais importante de tudo, sem se machucar. Hoje sei bem que tal caminho não existe. A estrada da vida está repleta de todo tipo de obstáculo, mas há também pedras planas e lindas paisagens. E a felicidade não está necessariamente no fim do trajeto, mas ao longo dele.

Sentir-se feliz é mais do que ser ou ter algo almejado; é saber apreciar as coisas boas do presente e não apenas o momento da conquista. Inquieto por natureza, o ser humano está sempre em busca de um novo objetivo e nunca satisfeito com o que já tem. Essa busca, eternamente renovada, acaba-se tornando fonte de inastisfação para muitas pessoas, incapazes de reconhecer valor naquilo que já conquistaram ou que a vida, simplesmente, lhes ofereceu de graça. A sabedoria do bem viver está em enxergar não apenas as pedras pontiagudas - que existem, diga-se de passagem - mas também as flores e alegrias que aparecem pelo caminho.

terça-feira, 3 de maio de 2011

A Beleza Colonial de Antigua - Guatemala


Esta é Antigua, cidade guatemalteca onde eu e Felipe passamos o último réveillon. Logo atrás está um dos vulcões que a cercam. Inicialmente chamada de Santiago de los Caballeros de Guatemala, a cidade foi fundada pelos espanhóis no século XVI para ser a capital daquela colônia, uma das três mais prósperas do domínio espanhol na América.
Após assistirem a três destruições da cidade por erupções vulcânicas, os colonizadores resolveram mudar a capital para a atual Cidade da Guatemala. Somente a partir daí, a antiga capital passou a ser chamada de Antigua Guatemala, ou simplesmente Antigua.

Hoje, Antigua é uma cidade colonial com casas simples e coloridas e ruínas do que foram as igrejas, catedrais, mosteiros, entre outras construções próprias de uma capital. É também um refúgio para os habitantes da Cidade da Guatemala que buscam um ambiente mais tranqüilo e pitoresco nos fins de semana.

Hotel Casa Santo Domingo
 

Eu e Felipe chegamos a Antigua de noitinha e fomos direto para o hotel. Fiquei, imediatamente, fascinado pelo lugar. O hotel Casa Santo Domingo, como é chamado, foi um mosteiro para freiras construído pelos espanhóis juntamente com a cidade. A grande estrutura do lugar foi, no entanto, parcialmente destruída pela mesma erupção vulcânica que destruiu a cidade no século XVIII e que ocasionou a transferência da capital para uma região mais segura.

O local, no entanto, parece ter a mesma vocação da cidade, que sempre renascia após os períodos de devastação. Em anos mais recentes, um grande empresário guatemalteco, em troca do compromisso de investir na preservação do lugar, recebeu uma concessão para explorá-lo economicamente. Assim feito, construiu ali um hotel, hoje uma das atrações da cidade.


Com paredes grossas, quase medievais, e corredores repletos de móveis barrocos e obras de arte sacra recuperadas dos escombros, o ambiente do local é algo único. Como tal, o hotel recebe visitas de turistas, pois nele também se encontram três museus, onde parte desse acervo cultural está exposta. É um lugar realmente fascinante. O restaurante do hotel, por exemplo, foi construído em meio a ruínas, e a igreja, que perdeu o teto, mas teve seu altar preservado, ainda dá lugar a missas e está coberta por um toldo, sob o qual se encontram, em ruínas, parte de suas pilastras e da antiga estrutura.


O Patrimônio Colonial de Antigua


No primeiro dia do ano, enquanto Felipe dormia, resolvi caminhar pela cidade e fotografar, com calma, as feições do lugar. Levei quase vinte minutos para conseguir deixar o hotel, pois ali mesmo havia muito para ser fotogrado. Na foto acima à esquerda está o pátio do Hotel Casa Santo Domingo; ao fundo, um dos vulcões que rodeiam Antigua. Na foto à direita, casas coloniais típicas da cidade.



Embora disponha de um grande patrimônio colonial, a cidade é menos rica e preservada do que sítios similares no Brasil, como as cidades históricas de Minas. O interessante de Antigua, no entanto, é esse misto de beleza e decadência.



Como se tornou um refúgio para os moradores da Cidade da Guatemala nos fins de semana, a apenas 50 minutos dali, Antigua acabou desenvolvendo uma grande rede de restaurantes e bares para receber esse público. Na foto abaixo está o Bistrot Cinq, um dos lugares que conhecemos na cidade.



segunda-feira, 2 de maio de 2011

Entre as rosas de Madri

Adoro esta foto! Este é, para mim, o lugar mais belo de Madri: o Parque do Retiro. Foi um dos lugares que eu e Felipe conhecemos quando passamos pela cidade no ano passado. A foto é de autoria de Andréa Milhomem, Seixas, amiga que nos recebeu com todo o carinho em sua casa e tirou um fim de semana inteiro para nos mostrar os principais pontos turísticos locais.

Embora o Retiro não seja o lugar mais visitado de Madri - muitas pessoas passam pela cidade sem sequer conhecê-lo - foi o que mais me atraiu e o que achei mais bonito. Além do lago que se vê acima, o parque têm uma série de outros espaços, entre eles um roseiral maravilhoso.

É uma foto digna de porta-retrato e, obviamente, já está devidamente emoldurada por um. Houve quem dissesse que parecia capa de CD, de revista, ou até mesmo anúncio publicitário. Mas todos, sem exceção, a acharam linda!

domingo, 1 de maio de 2011

Solidão

Bom, já que comecei com a Itália, vou dar continuidade à série. Esta é uma foto que tirei em Veneza e que guarda uma história bem interessante, com alguns momentos de humor. Conheci esta senhora quando explorava a cidade, um verdadeiro labirinto de ruelas e canais que constituem um das pmais belas paisagens da Europa e que, ao contrário do que já ouvi dizerem, não é apenas um cenário. Há gente vivendo ali, com histórias pessoais que dão riqueza e conteúdo à beleza lúdica do lugar.

Bem...voltando à foto. Caminhava eu pela cidade quando deparei com esta senhora carregando uma sacola de compras demasiado pesada para alguém de sua idade. Em determinado momento, ela parou e, abaixando o braço, apoiou a sacola no chão para descansar um pouco. Sensibilizado com sua dificuldade, fui até ela e ofereci ajuda para carregar as compras até sua casa. Nunca imaginei que alguém pudesse ficar tão feliz. Com um sorriso no rosto e uma simpatia única, a senhorinha aceitou minha oferta e demos início à nossa caminhada.

Lá fomos nós pelas ruas de Veneza, caminhando e conversando (sabe Deus como!). Ao longo do trajeto, ela ainda parou em mais umas duas vendas, onde, aproveitando a sorte de ter alguém para ajudá-la, fez mais algumas compras. Quando dei por mim, já carregava duas pesadas sacolas, uma em cada braço, enquanto a velhinha seguia alegre e falante. A caminhada foi longa. Passamos por ruas estreitas, viramos à esquerda, à direita, subimos ladeiras, atravessamos canais por pequenas pontes de pedra; acho que cruzamos meia cidade nessa estória.

Quando atravessávamos um canal, pedi a ela que fizéssemos uma pausa, pois havia uma linda paisagem que eu gostaria de fotografar. Minha surpresa maior foi ver que ela não apenas parou, mas, percebendo que eu já preparava minha câmera, misturou-se à cena e fez pose pra foto. Confesso que nossa comunicação não era das melhores. Ela falava zero de português e eu tentava me comunicar com um misto de espanhol e algum italiano que havia aprendido ali (e, talvez, em algumas novelas das oito). Enfim, acho que ela realmente entendeu que eu queria fotografá-la, o que a deixou bastante feliz. Pelo visto, há muito tempo alguém não lhe dava tanta atenção. Não dava pra pedir que ela saísse da frente sem me sentir um monstro de insensibilidade. Tirei a foto, então, e continuamos nossa caminhada.

Depois de algum tempo, finalmente chegamos à sua casa...ufa! Ela morava num lugar bem escondido. Um conjunto de casas viradas umas para as outras, com um pequeno pátio no centro e uma única saída (ou entrada) por uma passagem de pedra, quase um pequeno túnel. Logo na chegada, topamos com uma moça, moradora de uma das casas, com quem a senhorinha tentou me arranjar, elogiando-me e dizendo o quão gentil eu havia sido em ajudá-la. A moça agradeceu e, educadamente, lembrou à velhinha que já era casada. Ups!

Subimos, então, até a casa da senhora, onde deixei as compras. O lugar era aconhegante, mas simples. Aos 81 anos, ela tinha como única companhia um gato preto com o qual vivia. Fiquei impressionado ao saber que , diariamente, ela repetia aquele caminho sem qualquer ajuda. Afinal, aquelas ruelas medievais não são exatamente adequadas para a locomoção de idosos. Ainda assim, fazer compras e levá-las pra casa por aquele tortuoso trajeto era parte de sua rotina. Ao longo da caminhada que fizemos, ela me contara que tinha filhos, mas que eles viviam em outra região da Itália. Fiquei pasmo! Como podiam os filhos deixá-la ali só, sem qualquer assistência, àquela altura da vida?

Antes de me despedir, pedi pra tirar uma última foto dela. Trata-se da foto acima, tirada no pátio a que me referi antes. No auge da pretensão, costumo brincar que foi o meu momento "Sebastião Salgado". Embora a imagem não retrate ninguém faminto ou com frio, mostra um outro tipo de sofrimento. O olhar desta mulher não consegue esconder a solidão de quem, já nesta idade, só pode contar consigo mesma.